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18.03 Discurso Indireto Livre

Na moderna literatura narrativa, tem sido amplamente utilizado um terceiro processo de relatar enunciados, resultante da conciliação dos dois anteriormente descritos. É o chamado discurso indireto livre, forma de expressão que, em vez de apresentar o personagem em sua voz própria (discurso direto), ou de informar objetivamente o leitor sobre o que ele teria dito (discurso indireto), aproxima narrador e personagem, dando-nos a impressão de que passam a falar em uníssono.

Comparem-se estes exemplos:

A viagem parecia-lhe sem jeito, nem acreditava nela. Preparara-a lentamente, adiara-a, tornara a prepará-la, e só se resolvera a partir quando estava definitivamente perdido. Podia continuar a viver num cemitério? Nada o prendia àquela terra dura, acharia um lugar menos seco para enterrar-se. (G. Ramos)


Não era a primeira vez que sucedia aquilo — o fiasco daquele engano. Amanhã, seriam os comentários na rodinha do sura antipático, sem rabo ainda, pescoço pelado, e já metido a galo. Na do sura e na do garnisé branco — esse, então, um afeminado de marca, com aquela vozinha esganiçada e o passarinho miúdo.


João Fanhoso fechou os olhos, mal-humorado. A sola dos pés doía, doía. Calo miserável! (M. Palmério)


Características do discurso indireto livre

1. No plano formal, verifica-se que o emprego do discurso indireto livre "pressupõe duas condições: a absoluta liberdade sintática do escritor (fator gramatical) e a sua completa adesão à vida do personagem (fator estético)". Saliente-se ainda que, ao contrário do que acontece no discurso indireto, o indireto livre conserva as interrogações, as exclamações, as palavras e as frases do personagem na forma por que teriam sido realmente proferidas.


2. No plano expressivo, devem ser realçados alguns valores desta construção híbrida:

  • 1º) Evitando, por um lado, o acúmulo de quês, ocorrente no discurso indireto, e, por outro, os cortes das aposições dialogadas, peculiares ao discurso direto, o discurso indireto livre permite uma narrativa mais fluente, de ritmo e tom mais artisticamente elaborados.

  • 2º) O elo psíquico que se estabelece entre narrador e personagem neste molde frásico torna-o o preferido dos escritores memorialistas em suas páginas de monólogo interior.

  • 3º) Para a apreensão da fala do personagem nos trechos em discurso indireto livre, cobra importância o papel do contexto, pois que a passagem do que seja relato por parte do narrador a enunciado real do locutor é muitas vezes extremamente sutil.