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11.15 Regência

Em geral, as palavras de uma oração são interdependentes, isto é, relacionam-se entre si para formar um todo significativo.

A relação necessária que se estabelece entre duas palavras, uma das quais serve de complemento a outra, é o que se chama regência. A palavra dependente denomina-se regida, e o termo a que ela se subordina, regente.

As relações de regência podem ser indicadas:

a) pela ordem por que se dispõem os termos na oração;


b) pelas preposições, cuja função é justamente a de ligar palavras, estabelecendo entre elas um nexo de dependência;


c) pelas conjunções subordinativas, quando se trata de um período composto.


Regência verbal

1. Vimos que, quanto à predicação, os verbos nocionais se dividem em intransitivos e transitivos.


Os intransitivos expressam uma ideia completa:

O menino correu. Paulo viajou.

Os transitivos, mais numerosos, exigem sempre o acompanhamento de uma palavra de valor substantivo (objeto direto ou indireto) para integrar-lhes o sentido:

O menino comprou um livro.
O velho carecia de roupa.
Paulo deu um presente ao amigo.

2. A ligação do verbo com o seu complemento, isto é, a regência verbal, pode, como nos mostram os exemplos citados, fazer-se:


a) diretamente, sem uma preposição intermédia, quando o complemento é objeto direto;


b) indiretamente, mediante o emprego de uma preposição, quando o complemento é objeto indireto.


Diversidade e igualdade de regência

Há verbos que admitem mais de uma regência. Em geral, a diversidade de regência corresponde a uma variação significativa do verbo. Assim:

Aspirar [= sorver, respirar] o ar de montanha.
Aspirar [= desejar, pretender] a um alto cargo.

Alguns verbos, no entanto, usam-se na mesma acepção com mais de uma regência. Assim:

Meditar num assunto.
Meditar sobre um assunto.

Outros, finalmente, mudam de significação, sem variar de regência. Assim:

Carecer [= não ter] de dinheiro.
Carecer [= precisar] de dinheiro.

Observação:

No estudo da regência verbal, cumpre não esquecer os seguintes fatos:

1ª) O objeto indireto só não vem preposicionado quando é expresso pelos pronomes pessoais oblíquos me, te, se, lhe, nos, vos e lhes.


2ª) Somente as preposições que ligam complementos a um verbo (objeto indireto) ou a um nome (complemento nominal) estabelecem relações de regência. Por isso, convém distingui-las, com clareza, das que encabeçam adjuntos adverbiais ou adjuntos adnominais.


3ª) Os verbos intransitivos podem, em certos casos, ser seguidos de objeto direto. De regra, isso se dá quando o substantivo, núcleo do objeto, é formado da mesma raiz ou contém o sentido fundamental do verbo. Exemplos:

Viver uma vida alegre.
Chorar lágrimas de amargura.

4ª) Também verbos transitivos costumam ser usados intransitivamente:


O pior cego é o que não quer ver.
Ele é manhoso: não afirma nem nega.

5ª) Muitas vezes, a regência de um verbo estende-se aos substantivos e aos adjetivos cognatos:


Obedecer ao chefe. Contentar-se com a sorte.
Obediência ao chefe. Contentamento com a sorte.
Obediente ao chefe. Contente com a sorte.

Regência de alguns verbos

aspirar

  • 1º) é transitivo direto quando significa "sorver", "respirar":
  • Arregaçou o focinho, aspirou o ar lentamente, com vontade de subir a ladeira e perseguir os preás, que pulavam e corriam em liberdade. (G. Ramos)

  • 2º) é transitivo indireto na acepção de "pretender", "desejar". Neste caso, o objeto indireto vem introduzido pela preposição a (ou por), não admitindo a substituição pela forma pronominal lhe (ou lhes), mas somente por a ele(s) ou a ela(s):
  • Aspiramos a uma terra pacífica. (C. D. de Andrade)

assistir

  • 1º) Uma longa tradição gramatical ensina que este verbo é transitivo indireto no sentido de "estar presente", "presenciar". Com tal significado, deve o objeto indireto ser encabeçado pela preposição a, e, se for expresso por pronome de 3ª pessoa, exigirá a forma a ele(s) ou a ela(s), e não lhe(s). Assim:
  • Da janela da cozinha as mulheres assistiam à cena. (R. de Queirós)

    Observação:

    Na linguagem coloquial brasileira, o verbo constrói-se, em tal acepção, de preferência com objeto direto (cf. assistir o jogo, um filme), e escritores modernos têm dado acolhida à regência gramaticalmente condenada. Sirva de exemplo este passo:

    Só a menina estava perto e assistiu tudo estarrecida. (C. Lispector)


  • 2º) é transitivo indireto na acepção de "favorecer", "caber (direito ou razão, a alguém)", e, neste caso, pode construir-se com a forma pronominal lhe(s):
  • Ao dono da loja assiste razão de gabar-se, como o fez, por sua iniciativa. (C. D. de Andrade)

  • 3º) Usa-se, indiferentemente, como transitivo direto ou indireto nos sentidos de "acompanhar", "ajudar", "prestar assistência", "socorrer":
  • Somente minha mãe assiste o filho enfermo. (J. Montello)
  • O dono da casa era um padre que lhe assistiu com muita caridade... (c. c. branco)

chamar

Ressaltem-se os seguintes valores e empregos:

  • 1º) Com o significado de "fazer vir", "convocar", usa-se com objeto direto:
  • O telefone interno tocou na copa; da portaria chamavam o dono da casa. (C. D. de Andrade)

  • 2º) Na acepção de "invocar", pede objeto indireto encabeçado pela preposição por:
  • Chamou por Mauro baixinho. (O. L. Resende)

  • 3º) No sentido de "qualificar", "apelidar", "dar nome", constrói-se:
    • a) com objeto direto + predicativo:
    • Se tivesse mais dois anos, chamá-lo-ia mentiroso. (C. D. de Andrade)

    • b) com objeto direto + predicativo (precedido da preposição de):
    • Chamaram-no de mentiroso, de ingrato e de vítima. (C. D. de Andrade)

    • c) com objeto indireto + predicativo:
    • Não lhe chamam Glória? (J. de Alencar)

    • d) com objeto indireto + predicativo (precedido da preposição de):
    • Como Sofia no confessasse nada, Rubião chamou-lhe de bonita. (M. de Assis)

ensinar

  • 1º) Na língua atual, constrói-se preferentemente com objeto direto de "coisa" e indireto de "pessoa":
  • Ensinamos técnicas agrícolas aos camponeses. (R. Veríssimo)
  • Não deviam ter-lhe ensinado isso. (R. Braga)

  • 2º) Quando a "coisa" ensinada vem expressa por um infinitivo precedido da preposição a, a língua atual oferece-nos dois tipos de construção:
  • a) ensinar-lhe + a + infinitivo.

  • b) ensiná-lo + a + infinitivo.

  • Comparem-se os exemplos:

  • Em vão ensinara-lhe a proteger os animais das pragas e dos vendavais. (N. Piñon)
  • Tinha de o convencer, de o ensinar a ver claro. (U. T. Rodrigues)

  • 3º) Quando se silencia a "coisa" ensinada, a denominação da "pessoa" costuma funcionar como objeto direto:
  • Uma moça formada de anel no dedo podia ensinar as meninas até o curso secundário. (J. L. do Rego)

  • 4º) Nos sentidos de "castigar", "bater", "adestrar", "amestrar", "educar", usa-se normalmente com objeto direto:
  • A tarimba é que viria ensiná-lo. (M. de Assis)

esquecer

  • 1º) Na acepção própria de "olvidar", "sair da lembrança", este verbo constrói-se, tradicionalmente:
    • a) seja com objeto direto:
    • Nunca esqueci esse amigo de infância. (P. Nava)

    • b) seja com objeto indireto introduzido pela preposição de, quando pronominal:
    • Tendo de lutar para obter melhoria de situação, foi-se esquecendo dos deveres religiosos. (C. D. de Andrade)

  • 2º) Do cruzamento destas duas construções resultou uma terceira, sem o pronome reflexivo, mas com o objeto introduzido por de:


  • Esqueceu os deveres religiosos
    Esqueceu-se dos deveres religiosos



    Esqueceu dos deveres religiosos


    Tal construção, considerada viciosa pelos gramáticos, mas muito frequente no colóquio diário dos brasileiros, já se vem insinuando na linguagem literária, principalmente quando o complemento de esquecer é um infinitivo. Sirva de exemplo este passo:

    Rezou três ave-marias e um padre-nosso, pois o bom frei esquecera de lhe dar a penitência. (J. Amado)



    interessar

    • 1º) Usa-se, indiferentemente, como transitivo direto ou indireto, nas acepções de "dizer respeito a", "importar", "ser proveitoso", "ser do interesse de":
    • Pensei que os interessasse estar ao corrente disto. (C. de Oliveira)
    • E eu calculei que talvez a transação lhe interessasse. (G. Ramos)

    • 2º) é transitivo direto quando significa: "captar ou prender o espírito, a atenção, a curiosidade"; "excitar a":
    • Ele percebeu então que falara demais, a ponto de interessá-la, e olhou-a rapidamente de lado. (C. Lispector)

    • 3º) Emprega-se com objeto indireto introduzido pela preposição em nos sentidos de "ter interesse", "tirar utilidade, lucro ou proveito":
    • O rei interessava em que os concelhos fossem poderosos e livres. (A. Herculano)

    • 4º) é transitivo direto e indireto quando significa "atrair", "provocar o interesse ou a curiosidade de":
    • Foi fácil para ele interessar toda a cidade na incrível figurinha de Shirley Temple. (A. Dourado)

    • 5º) No sentido de "empenhar-se", "tomar interesse por", tem forma reflexa e faz-se acompanhar de objeto indireto encabeçado por uma das preposições em ou por:
    • Zazá não se interessava muito pelo futebol. (R. Couto)

    lembrar

    O verbo lembrar(-se) apresenta os mesmos tipos de construção que o seu antônimo esquecer(-se). Assim:

    • 1º) Com o sentido de "trazer à lembrança", "evocar", "sugerir", "recordar-se" é transitivo direto:
    • Lembro-a hoje, com os seus cabelos brancos... (A. F. Schmidt)

    • 2º) Na acepção de "sugerir a lembrança", "fazer recordar", "advertir", constrói-se com objeto direto e indireto:
    • Para me lembrar ao senhor? Para lembrá-lo a mim? Nosso entendimento se tornou tão fácil que dispensa a operação da lembrança. (C. D. de Andrade)

    • 3º) Com o sentido de "vir à memória", que é o mais usual, admite, à semelhança de esquecer, três modelos de construção:
    • a) Lembro-me do acontecimento.
    • b) Lembra-me o acontecimento.
    • c) Lembra-me do acontecimento.

    O primeiro é o mais frequente, seja na linguagem coloquial, seja na literária:

    Lembra-te, Belmiro, de que essas bodas são impossíveis. (C. dos Anjos)

    Quando o objeto indireto vem expresso por uma oração desenvolvida, como no último exemplo, a preposição de pode faltar:


    Lembro-me que certa vez juntei uma porção de artigos médicos sobre o assunto. (R. Braga)
    Lembro-me que devo voltar à missa solene. (A. F. Schmidt)

    obedecer

    1º) Na língua culta moderna, fixou-se como transitivo indireto:

    Por que lhe obedeciam as forças? (G. Amado)


    2º) Admite, no entanto, voz passiva:

    Sofreste tanto que até perdeste a consciência do teu império; estás pronta a obedecer, admiras-te de seres obedecida. (M. de Assis)


    3º) Não é raro o seu emprego como intransitivo:

    Você é o único que não obedece! (C. Lispector)


    Idêntica é a construção do antônimo desobedecer.

    perdoar

    • 1º) Na língua culta de hoje constrói-se preferentemente com objeto direto de "coisa" e objeto indireto de "pessoa":
    • Perdoem-lhe esse riso. (M. de Assis)

    • 2º) A construção com objeto direto de "pessoa", normal no português antigo e médio, é frequente na linguagem coloquial brasileira, razão por que alguns escritores atuais não têm dúvida de acolhê-la.
    • A velha tia Neném não perdoava ninguém. (J. L. do Rego)

    responder

    Entre as diversas construções que admite, apontem-se as seguintes:

    • 1ª) Na acepção de "dar resposta", "dizer ou escrever em resposta", emprega-se, geralmente:
      • a) com objeto indireto em relação à pergunta:
      • Livros especializados responderiam à pergunta. (C. D. de Andrade)

      • b) com objeto direto para exprimir a resposta:
      • Um país em que ninguém responde cartas, Mário de Andrade respondia todas. (C. D. de Andrade)

      • Podendo, naturalmente, usar-se na passiva:

      • ... um violento panfleto contra o Brasil que foi vitoriosamente respondido por De Ângelis. (E. Prado)

      • c) com objeto direto e indireto:
      • Quando lhe perguntei por que motivo ninguém o via há um mês, respondeu-me que estava passando por uma transformação. (M. de Assis)

    • 2ª) Na acepção de "replicar", "retorquir", usa-se, normalmente, com objeto indireto:
    • À linguagem do deputado o jovem médico respondeu com igual franqueza. (M. de Assis)
    • Não é raro, porém, o emprego intransitivo:

    • O homem da venda não responde. Vira a cara. (R. Braga)

    • 3ª) Na acepção de "repetir a voz, o som", é intransitivo:
    • Um cão latiu, outro respondeu. (J. Montello)
    • 4a) Quando significa "ser ou ficar responsável", "responsabilizar-se", "fazer as vezes (de alguém)", exige objeto indireto introduzido pela preposição por:
    • Parecia que outro personagem respondia por ele, a fim de deixá-lo à vontade. (A. M. Machado)

    • visar

      • 1º) é transitivo direto nas acepções de:
      • a) "mirar", "apontar (arma de fogo)":
      • Sem perda de tempo, Jenner disparou um terceiro tiro, e sem demora outro, visando o alvo de baixo para cima. (H. Sales)

      • b) "dar ou pôr o visto (em algum documento)":
      • Visar um passaporte.
      • Visar o diploma.

      • 2º) No sentido de "ter em vista", "ter por objetivo", "pretender" deve construir-se com objeto indireto introduzido pela preposição a:
      • Seus negócios atualmente visam ao monopólio do vidro. (M. Rebelo)