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20.03 A rima

1. Lendo esta quadrinha popular:


  • Tanto limão, tanta lima
  • Tanta silva, tanta amora
  • Tanta menina bonita...
  • Meu pai sem ter uma nora!

verificamos que:


  • a) o 1º e o 3º verso apresentam uma identidade de vogais a partir da última vogal tônica: i-a (lima — bonita);

  • b) o 2º e o 4º verso apresentam uma correspondência de sons finais ainda mais perfeita, pois, a partir da última vogal tônica, se igualam todos os fonemas (vogais e consoantes): -ora (amora — nora).

2. Esta identidade ou semelhança de sons em lugares determinados dos versos é o que se chama de rima. Se a correspondência de sons é completa, a rima diz-se soante, consoante ou, simplesmente, consonância. Se há conformidade apenas da vogal tônica, ou das vogais a partir da tônica, a rima denomina-se toante, assonante ou, simplesmente, assonância.


A rima e o acento

Quanto à posição do acento tônico, as rimas, como as palavras, podem ser:

  • a) agudas:
  • Vinhos dum vinhedo, frutos dum pomar,
  • Que no céu os anjos regam com luar...
  • (Guerra Junqueiro)

  • b) graves:
  • Calçou as sandálias, tocou-se de flores,
  • Vestiu-se de Nossa Senhora das Dores.
  • (A. Nobre)

  • c) esdrúxulas:
  • No ar lento fumam gomas aromáticas
  • Brilham as navetas, brilham as dalmáticas.
  • (E. de Castro)

As rimas agudas são também chamadas rimas masculinas; e as graves, rimas femininas.

Rima perfeita e rima imperfeita

1. A rima é uma coincidência de sons, não de letras. Por exemplo, há rima soante perfeita nestes versos de Alphonsus de Guimaraens:


  • Céu puro que o sol trouxe
  • Claro de norte a sul,
  • O teu olhar é doce,
  • Negro assim, qual se fosse
  • Inteiramente azul.

tanto entre sul e azul, como entre as formas trouxe, doce e fosse, que apresentam a mesma terminação grafada de três maneiras diferentes.


2. Mas nem sempre há identidade absoluta entre os sons dispostos em rima, quer soante, quer toante. Algumas discordâncias têm sido mesmo largamente toleradas através dos tempos. Entre os casos de rima imperfeita consagrados pelo uso, cabe mencionar:


  • a) o das vogais acentuadas e e o semiabertas com semifechadas, prática iniciada por Gil Vicente, no século XVI, e adotada desde então pelos poetas da língua:
  • Pensar eu que o teu destino
  • Ligado ao meu outro fora,
  • Pensar que te vejo agora,
  • Por culpa minha, infeliz...
  • (G. Dias)

  • b) o de rima de vogal oral com vogal nasal:
  • De que ele, o sol, inunda
  • O mar, quando se põe,
  • Imagem moribunda
  • De um coração que foi...
  • (J. de Deus)

Rima pobre e rima rica

1. Consideram-se pobres as rimas soantes feitas com terminações muito correntes no idioma, principalmente as de palavras da mesma classe gramatical. É o caso, por exemplo, dos infinitivos em -ar, dos particípios em -ado, dos gerúndios em -ando, dos diminutivos em -inho, dos advérbios em -mente, dos adjetivos em -ante, dos substantivos em -ão e -eza, das palavras primitivas com os seus derivados por prefixação: amor-desamor, ver-rever, etc.


2. São ricas as rimas que se fazem com palavras de classe gramatical diversa ou de finais pouco frequentes, como nestes versos de Alphonsus de Guimaraens:

  • O teu olhar, Senhora, é a estrela da alva
  • Que entre alfombras de nuvens irradia:
  • Salmo de amor, canto de alívio, e salva
  • De palmas a saudar a luz do dia...

3. Denominam-se raras ou preciosas as rimas excepcionais, difíceis de encontrar. Foram procuradas sobretudo pelos poetas parnasianos e simbolistas. Veja-se, por exemplo, esta rima de cálix com digitális, empregada em Horas, de Eugênio de Castro:

  • Oh os seus olhos! suas unhas em amêndoa! e em cálix
  • O seu colo! e os seus dedos de digitális!

Combinações de rimas

1. Os versos de um poema podem ser monorrimos, isto é, podem terminar todos pela mesma consonância ou pela mesma assonância. É o que sucede comumente com os versos dos romances tradicionais, em que uma só assonância liga um número indefinido deles.


2. Mas, em geral, as combinações rímicas processam-se dentro de unidades menores do poema — as estrofes —, cujos principais tipos estudaremos adiante.


Nas estrofes, as disposições mais frequentes de rimas são as seguintes:

  • a) rimas emparelhadas, quando se sucedem duas a duas:
  • Ele deixava atrás tanta recordação!
  • E o pesar, a saudade até no próprio chão,
  • Debaixo dos seus pés, parece que gemia,
  • Levantava-se o sol, vinha rompendo o dia,
  • E o bosque, a selva, o campo, a pradaria em flor
  • Vestiam-se de luz, como um preito de amor.
  • (A. de Oliveira)

  • b) rimas alternadas, quando, de um lado, rimam os versos ímpares (o 1º com o 3º, etc.); de outro, os versos pares (o 2º com o 4º, etc.):
  • Tu és um beijo materno!
  • Tu és um riso infantil,
  • Sol entre as nuvens de inverno,
  • Rosa entre as flores de abril!
  • (J. de Deus)

  • c) rimas opostas ou interpoladas, quando o 1º verso rima com o 4º e o 2º com o 3º:
  • Saudade! Olhar de minha mãe rezando
  • E o pranto lento deslizando em fio...
  • Saudade! Amor da minha terra...O rio
  • Cantigas de águas claras soluçando.
  • (Da Costa e Silva)

  • d) rimas encadeadas, quando o 1º verso rima com o 3º; o 2º com o 4º e com o 6º; o 5º com o 7º e o 9º ; e assim por diante, como nestes versos do poema Uma criatura, de M. de Assis:
  • Sei de uma criatura antiga e formidável,
  • Que a si mesma devora os membros e as entranhas
  • Com a sofreguidão da fome insaciável.

  • Habita juntamente os vales e as montanhas
  • E no mar, que se rasga, à maneira de abismo,
  • Espreguiça-se toda em convulsões estranhas.

  • Traz impresso na fronte o obscuro despotismo.
  • Cada olhar que despede, acerbo e mavioso,
  • Parece uma expansão de amor e de egoísmo.

Indicação esquemática das rimas

Convencionalmente, indicam-se os versos com as letras do alfabeto. Aos versos presos pela mesma rima correspondem letras iguais. Assim o esquema das rimas emparelhadas é aa-bb-cc, etc.; o das rimas alternadas é ababab, etc.; o das rimas opostas, abba; o das rimas encadeadas, aba-bcb-cdc; etc.

Versos sem rima

Elemento importantíssimo na poesia dos povos românicos, a rima serve principalmente a dois fins. é uma sonoridade, uma musicalidade que, introduzida no poema, satisfaz o ouvido. E é, por outro lado, uma forma de marcar enfaticamente o término do período rítmico formado pelo verso. Mas não constitui, como se tem dito, um elemento intrínseco, essencial do verso, tanto assim que era desusada na métrica latina de caráter culto e não faltam às literaturas modernas numerosos e admiráveis poemas compostos de versos brancos, o que vale dizer — sem rima.